Com o título acima, artigo de Daniel Guimarães Tiezzi – Professor Doutor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.

Na maior parte do mundo, o câncer de mama é a neoplasia maligna que mais acomete a mulher. No Brasil, o cenário não é diferente. Estima-se que, em 2010, ocorrerão 49.240 novos casos da doença em nosso país. De acordo com os dados do GLOBOCAN (International Agency for Research on Cancer), em 2008 foram registrados em todo o mundo 691 mil novos casos de câncer de mama em países de renda baixa/moderada e 692 mil em países desenvolvidos. No entanto, o número total de mortes pela doença em países em desenvolvimento foi de 268 mil, em contraste com 189 mil mortes nos países desenvolvidos. Esses dados resultam em uma taxa de mortalidade/incidência de 0,38 e 0,27 em países de baixa/ moderada renda e de alta renda, respectivamente.

No relatório de 2002, foi registrada uma incidência global de 514 mil casos novos com
221 mil mortes em países em desenvolvimento (taxa de mortalidade/incidência de 0,43) e 636 mil casos novos com 190 mil mortes pela doença em países desenvolvidos (taxa de mortalidade/incidência de 0,30). Esses dados permitem estimar o aumento na incidência de câncer de mama nesses dois grupos de países. Para os países de renda baixa/moderada, o aumento da incidência bruta foi de 25,6% e, nos países desenvolvidos, de 8,1%.

Embora a incidência de câncer de mama venha sofrendo um leve declínio em alguns países desenvolvidos em razão da saturação do sistema de rastreamento da doença e da redução do uso indiscriminado da terapia de reposição hormonal, vem aumentando gradualmente na maioria dos países em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento. Este fato tem sido atribuído principalmente à mudança no estilo de vida que vem sendo adotado nessas regiões. Estudos com populações de imigrantes que saem de regiões de baixa incidência de câncer de mama para países com alta taxa de incidência (como é o caso de imigrantes japoneses ou chineses para os EUA) mostram que os casos de câncer de mama aumentam progressivamente com as sucessivas gerações. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde
(OMS), cerca de 7 a 41% de algumas neoplasias malignas podem ser atribuídas ao sobrepeso e obesidade. Adicionalmente, alguns estudos clínicos randomizados demonstraram que modificações na dieta com redução do peso corporal em mulheres na menopausa levam a uma redução substancial na incidência de câncer de mama. Essas observações são fortes indícios de que a mudanças no estilo de vida e na dieta pode modificar a epidemiologia da doença.

É de conhecimento de todos que o Brasil e os outros países em desenvolvimento do
mundo sofrem de um problema crônico decorrente da distribuição irregular de renda entre a população. Essa desigualdade social cursa com altas taxas de incidência de doenças crônicas por má nutrição associadas a altas taxas de mortalidade por doenças infectocontagiosas e causas externas. A preocupação com o controle dessas
condições é tido como uma razão aceitável para deixar os programas de rastreamento do câncer de lado nessas regiões. No entanto, o aumento da incidência do câncer de mama associado à falta de programas de detecção precoce e à dificuldade
de acesso ao tratamento especializado resulta na desproporcional taxa de fatalidade observada nos países em desenvolvimento. Portanto, a preocupação com a introdução de medidas que possam reduzir a mortalidade e o custo do tratamento da doença parece ser apropriada para a nossa realidade.

Brito et al. publicaram recente estudo que analisou o conhecimento, a atitude e a prática do autoexame das mamas (AEM) em mulheres no município de São Luiz no Maranhão. Segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA), cerca de 150 casos novos de câncer de mama serão diagnosticados na cidade de São Luiz, chegando a uma taxa bruta de incidência de 28,9/100.000 mulheres. Os autores descrevem que a maioria das mulheres do citado município conhece e utiliza de forma adequada o AEM como método de detecção precoce do câncer de mama. No entanto, concluem que existe ainda a necessidade de maior divulgação do método em todos os níveis assistenciais e em todas as camadas socioeconômicas da população.

Embora alguns estudos tenham demonstrado que o AEM pode detectar lesões mais precoces e com menores taxas de acometimento axilar, dois estudos clínicos randomizados não demonstraram qualquer ganho de sobrevida em mulheres orientadas a realizarem o AEM em comparação com o Grupo Controle. Assim, o papel deste método como prevenção secundária eficaz do câncer de mama ainda não foi demonstrado e muitas entidades médicas e governamentais não recomendam, atualmente, a orientação do método como alternativa de rastreamento da doença.

A mamografia é o exame de eleição para o rastreamento do câncer de mama. A sua eficácia e indicação são aceitas globalmente para o rastreamento da população com idade entre 50 e 69 anos. Redução na mortalidade pela doença nesta faixa etária da ordem de 30% tem sido demonstrada. O benefício para mulheres entre 40 a 50 anos é menos evidente e gira em torno de 15 a 18%. Para salvar uma vida, é necessário convidar 1.904 mulheres para o rastreamento nesta faixa etária, o que é tido por algumas entidades governamentais como não custo-efetivo. No Brasil, não temos qualquer informação segura de controle de qualidade e de certificação de que o atual programa de rastreamento implementado pelo governo seja eficaz.

De fato, o Brasil é um país bastante heterogêneo em todos os aspectos devido à sua grande extensão territorial e diversidade étnica e cultural. Consequentemente, como esperado, as taxas de incidência de câncer de mama também são. A estimativa de câncer de mama no estado de São Paulo para 2010 é de 15.080 novos casos, o que gera uma taxa bruta de incidência de 68/100.000 mulheres, chegando, na capital do Estado, a 89,9/100.000 mulheres . Ou seja, as mulheres brasileiras que vivem nas áreas mais desenvolvidas de nosso país possuem um risco de desenvolver o câncer de mama semelhante ao de países desenvolvidos do oeste Europeu e da América do Norte. Parece evidente que as conclusões a que Brito et al. chegaram podem ser apropriadas do ponto de vista regional e não são suficientes para os diferentes cenários atuais existentes em nosso país. Acredito que deveríamos investir em programas de educação e informação em socioprevenção de forma globalizada e disponibilizar um sistema de rastreamento mamográfico mais abrangente e controlado nas áreas de maior risco da doença. Enquanto essas medidas permanecerem negligenciadas, me parece razoável concordar com os argumentos referentes à perpetuação da espécie humana expostos pelo Professor de Bioética da Universidade de Princeton, Peter Singer.

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Fonte: scielo